Duca era um anjinho
muito especial que ganhou de presente um lindo jardim para cuidar. Dizem que
quando ganhamos uma nova vida, ganhamos também um presente bem especial que
possa agradar bastante a nossa alma e deixa-la entusiasmada para viver esta
nova experiência.
Deus deu para Duca
um jardim repleto de flores de todas as espécies, bem como o poder de entender
a linguagem de todas elas. Na sua vida antiga, Duca era um rapaz que vendia
flores pelas ruas de uma grande cidade. Vagava pelas ruas agitadas e poluídas,
oferecendo a todos o encanto das lindas rosas que vendia. Duca adorava ver o
brilho no olhar de quem era presenteado com suas flores especiais. Podia sentir
, mais do que o aroma delas, a essência do amor exalando um ar de felicidade no
coração de todas as pessoas que recebiam suas rosas. Assim como conseguia
sentir e decifrar a essência de todos os sentimentos bons que brotavam no
coração das pessoas naquele momento especial, Duca sentia uma enorme vontade de
compreender o sentimento das rosas que vendia. O que estariam elas sentindo? O
que pensavam? Será que gostavam de estar ali; será que prefeririam viver
no jardim onde nasceram? Infelizmente, Duca teve que passar a sua vida toda sem
ter estas respostas e viver com esta frustrante dúvida. O seu maior desejo era
compreender a linguagem das flores, mas nem sempre todos os nossos desejos
podem ser satisfeitos.
Deus adora nos
presentear com aquilo que mais amamos. Ele sabe, mais do que ninguém, nos dar o
presente certo, na hora certa. Inicialmente, despertou em Duca o grande desejo
de compreender a linguagem das flores. Munido deste desejo, finalmente, deu a
ele não só a capacidade de entender e compreender tudo que as flores
diziam e sentiam, bem como, um jardim repleto de todas as espécies de flores do
universo. Este era, naquele momento existencial, o melhor presente que Duca
poderia receber; ele estava muito feliz e grato pelo mesmo. Agora, poderia ir
muito além. A sua relação com as flores seria bem diferente do que estava
acostumado. Além de decifrar a sua linguagem, tinha o importante ofício de
cuidar de todas elas.
Apesar de toda
dádiva recebida, existia ainda algumas limitações; talvez para despertar em
Duca outros desejos que pudessem ser realizados no momento certo. Ele não podia
ser visto e nem ouvido pelas flores que cuidava. Embora não estivesse ainda
apto a receber este novo presente, estava satisfeito com a dádiva que lhe fora
oferecida. Duca era um ser muito sábio; ao invés de lamentar o que não tinha,
sabia agradecer e usufruir , ao máximo, as dádivas que recebia. Ao nascer para
esta nova vida, Duca também se esqueceu de todas as experiências vividas na
vida anterior. Vivia profundamente sua experiência nova sem questionar muito o
porque de estar ali. Só sabia que amava intensamente o seu jardim e o seu
ofício.
Como fora um
vendedor de rosas em sua vida passada, adorava ouvir os bate papos de algumas
roseiras de seu jardim. Sentava ao lado delas e ficava horas ouvindo as
conversas daquelas flores que lhe provocavam um sentimento diferente. Amava
todas as flores de seu jardim, mas não conseguia entender porque tinha sempre
mais interesse em ouvir as conversas das roseiras. Tudo tem uma explicação, mas
naquele momento não cabia a Duca decifrar este enigma; cabia ao mesmo, apenas
viver intensamente o presente que lhe fora ofertado. Sendo assim, o anjinho
sapiente não desperdiçou nem um minuto deste prazer.
No jardim de Duca,
existiam roseiras cujas rosas nunca tivemos a oportunidade de ver por aqui.
Além das roseiras que já conhecemos, Duca tinha roseiras que geravam rosas
azuis, verdes, pretas, cinzas, douradas, prateadas e até mesmo com todas as
cores do arco-íris juntas. Todas as suas roseiras eram batizadas com um nome
que se parecesse bastante com elas. Na vida passada, quando vendia rosas, Duca
gostava de pintar as rosas brancas com estas cores. Gostava de brincar de Deus,
ou seja, de criar rosas que não existiam por aqui. As rosas azuis eram as que
ele mais gostava de criar. As cinzas, lhe traziam uma certa melancolia, mas
mesmo assim, ele se dava ao trabalho de cria-las, pois além de existir algumas
pessoas que se interessavam por elas, tinha um lado seu, embora obscuro, que
tinha uma predileção especial por elas.
Tinha duas roseiras
no jardim deste anjinho, que o deixava sempre muito intrigado. Ele ficava
impressionado com a sabedoria de uma e a ignorância da outra. Assim como Duca
recebeu a dádiva de entender a linguagem das flores, você também receberá,
neste momento, esta dádiva. Ouça bem o que as duas roseiras do jardim estavam
conversando. Se Deus lhe deu, agora, o poder de ter acesso ao conteúdo desta
conversa, provavelmente, alguma coisa boa você pode aprender com ela. Pode ser
que você esteja também recebendo este presentinho de Deus. Portanto,
atente-se:
_ Por que você está
com esta cara tão boa hoje? Aliás, você está sempre com uma cara de
satisfeita... Não consigo lhe entender! Perguntou Cinzinha, uma roseira de
rosas cinzas.
_Porque eu não
haveria de estar? O dia está lindo e a primavera está chegando. Respondeu Zul,
a roseira de rosas azuis.
_Se você reparar
bem, tem uma nuvem cinza no céu. Daqui a pouco, ela pode ficar preta e uma
tempestade horrível cair sobre nós. Alertou Cinzinha.
_Ah, é apenas uma
nuvenzinha bebê! Acho que ela não tem este poder todo, não... Precisa crescer
muito para gerar a força de uma tempestade. O céu está todo azul, assim como as
rosas que desabrocharão em mim na primavera que está tão próxima. Já consigo
sentir a energia dela, embora eu goste muito também do inverno. Vou até sentir
saudades dele quando ele partir. Mas, sei que ele volta todos os anos e a
expectativa de sua chegada traz desejos bons dentro da gente. Ponderou Zul com
alegria.
_Só se for dentro
de você, porque em mim só traz arrepios. Detesto este frio todo! Falou Cinzinha
com sua face enrugada e encolhendo suas folhinhas como se estivesse se
protegendo.
_Mas, é no inverno
que nos interiorizamos para produzir com afinco o que vamos parir na primavera;
nossas mais lindas rosas. Alegou Zul.
_Lindas! Só se for
as suas. A gente nem sempre tem o poder de parir as melhores rosas deste
jardim. Confesso que fico, muitas vezes, bem decepcionada com algumas rosas que
desabrocham em mim. Reclamou Cinzinha denotando ares de muita insatisfação.
_Pois, eu fico
sempre muito satisfeita com as minhas rosas. Elas são fruto do que eu pude dar
de melhor em mim. É a representação genuína de minha energia; na verdade, a
materialização de minha própria energia.
Antes que pudesse
continuar falando, foi interrompida por Cinzinha.
_Você é muito
ingênua mesmo! Tudo você acha lindo! Precisa ser mais realista. Você pode até
não gostar do que eu vou lhe falar, mas acho que você está precisando de um
toque de realidade. Você gera muita rosa feia e de baixíssima qualidade.
Expressou, Cinzinha, seu ponto de vista exalando muita arrogância e
agressividade.
Nem este comentário
desagradável de Cinzinha teve o poder de abalar Zul. Pelo contrário, a roseira
se reergueu ainda mais e com ar de realeza interpelou a amiga.
_Tudo bem! Este é o
seu ponto de vista e precisa ser respeitado. No entanto, jamais verei com seus
olhos. Tenho os meus olhos vivos e cheio de luz. É com meus olhos que gosto de
ver a vida e tudo que faço. Fui agraciada por Deus com olhos de luz, não
preciso do olhar de ninguém para enxergar profundamente a vida. Pegar
emprestado o olhar do outro para ver o que seu próprio olhar pode ver, é
tornar-se cego mesmo tendo a dádiva da visão. Para mim, você não vê o mundo de
forma realista. Vê de forma pessimista. Procura o feio e a negatividade em
tudo. Eu, por outro lado, procuro rechear o meu bolo com otimismo.
Argumentou Zul.
_Já vem você
falando em metáforas... Discordo de você e não entendi o que quis dizer com
esta história de bolo. Dá para explicar melhor? Solicitou Cinzinha com
escárnio.
_Pois não! A
realidade é o bolo. O bolo pode ficar mais gostoso e bonito se o rechearmos com
otimismo. Podemos também estragar nosso bolo se o rechearmos com este
pessimismo que você produz com tanta abundância dentro de ti. Alertou Zul com
doçura para não ferir a amiga com suas palavras.
_Você está querendo
me dizer que sou um bolo estragado? Perguntou Cinzinha com indignação.
_De jeito nenhum!
Você é vida e a vida é o bolo. Você tem o poder de recheá-lo como quiser.
Talvez, precise aprender alguma receitas novas.
_Pois saiba, que
estou muito satisfeita com as minhas receitas. E, não me interesso nem um pouco
pelas suas. Como você mesma disse, não desejo ver o mundo com seus olhos.
Impugnou Cinzinha.
_Tudo bem! Procure
apenas ficar alerta para uma coisa. Atentou Zul.
_Já vem você com
suas alertas idiotas! Você está sempre me alertando para as coisas boas ao
nosso redor. Não precisamos de alerta para as coisas boas. Precisamos nos
alertar para as coisas ruins, pois só elas podem nos causar danos. Contestou
Cinzinha.
_Verdade! Mas a
ausência de coisas boas na vida nos causam também danos irreparáveis. Por isso,
é preciso enxergar. Só temos aquilo que enxergamos. Só teremos coisas boas se
pudermos enxerga-las.
Foi mais uma vez
interrompida por Cinzinha que expressou-se com arrogância:
_Chega de papo
furado! Mas...Qual era mesmo a alerta que você quis me dizer? Perguntou
Cinzinha querendo denotar desinteresse, embora estivesse interessadíssima no
assunto.
_Quer mesmo saber?
Perguntou Zul.
_Quero sim. Embora
eu saiba de antemão, que não me interessarei por este assunto; sou, no máximo,
curiosa. Diga!
Zul deu um sorriso
singelo procurando palavras que pudessem mostrar para Cinzinha aquilo que ela
se negava enxergar.
_Veja sempre com
seus olhos, mas certifique-se se a tua visão não está sendo prejudicada por
alguma lente muito escura, suja ou embaçada que você possa estar usando
sem perceber. Aliás, tem muitos seres que colocam em nós estas lentes.
Geralmente fazem isto quando estamos dormindo. Sem perceber, passamos a
enxergar o mundo do jeito que eles querem, achando que estamos vendo o mundo
com os nossos olhos.
Cinzinha calou-se e
ficou pensativa. Pela primeira vez não retrucou a amiga. Conseguiu fazer uma
coisa que não estava acostumada; conseguiu refletir. A sua reflexão trouxe
clareza. Parece que a reflexão é uma boa flanela para desembaçar e tirar a
poeira de nossas lentes.
O tempo
passou trazendo a primavera e todas as outras estações. Pela primeira
vez, alguma coisa diferente parecia estar acontecendo com Cinzinha; ela não
reclamava tanto mais. Aliás, a cada estação, trocava não só ideias, mas muita
energia com Zul. Parece que estas trocas foram deixando Cinzinha diferente. Ela
foi ficando cada vez mais bonita e tornou-se capaz de admirar todas as rosas
que produzia. Nunca mais os pulgões e pragas acolheram-se em suas folhas. De
repente, deixou de ser uma morada especial para os mesmos. Ela que vivia
doente, agora estava sempre viçosa.
Os problemas e
dificuldades não deixaram de existir para Zul e Cinzinha que se tornaram duas
almas gêmeas. Apenas, a forma de encara-los e enfrenta-los é que mudou
radicalmente. E, isto fazia toda a diferença.
Daquela união cada
vez mais forte , nasceu entre elas uma roseirinha bebê. Quando as rosas desta
roseira desabrocharam pela primeira vez, encantaram os olhos do mundo. Eram
rosas muito diferentes, de uma tonalidade distinta; um cinza azulado ou para
quem preferir, um azul meio acinzentado. Dizem que o perfume destas rosas
estimulava o nosso terceiro olho, o nosso ajna chakra, um centro poderoso de
energia presente em todos nós.
Quanto a Duca,
viveu ali muitos anos, feliz de poder ser o anjo das flores. Descobriu que as
rosas preferem viver nas roseiras do que em buquês. Mas, descobriu também que
elas não se importam de serem colhidas para uma boa causa. Quando um
problema mais sério surgia para elas, Duca dava sempre a sua mãozinha angelical
e as coisas acabam sempre ficando mais fáceis. É por isso que Zul e Cinzinha
sempre falava para sua filhinha:
_Quando as coisas
parecerem muito difíceis e complicadas, pede para seu anjinho que ele dá um
jeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário