Era uma vez uma
estrelinha muito brilhante que vivia no céu iluminando tudo ao redor. Ela
olhava para um planeta azul chamado terra e tinha uma enorme vontade de
conhecê-lo. Muito perspicaz, a estrelinha percebeu que este planeta precisava
de muita luz. Pensou que talvez pudesse ser mais útil na terra do que no céu,
já que no céu já existiam muitas estrelas luminosas como ela e na terra não
havia tantas estrelas assim. Pediu aos anjinhos que a deixasse ser uma
estrelinha na terra. Prometeu que ofertaria toda sua luz deixando a terra mais
linda e iluminando o caminho de estrelinhas pouco reluzentes que porventura
vivessem ali. Os anjinhos lhe explicaram que na terra não existiam estrelas, mas
que existiam muitos seres vivos que apesar de não serem estrelas possuíam uma
luz que só os seres celestiais podiam enxergar. Confusa, a estrelinha perguntou
o que eram seres vivos. Pacientemente, os anjinhos explicaram mencionando a natureza
de cada ser que vivia na terra. Desejando muito trazer a sua luz para a terra,
a estrelinha perguntou:
─Vocês não poderiam me
transformar num ser vivo? Eu poderia levar a minha luz para os seres que vivem
na terra.
─Qual ser vivo você
gostaria de se transformar?
─Diante de tudo que vocês
me explicaram, acho que os seres humanos precisam de muita luz para não destruírem
o maior patrimônio que possuem.
─De fato, eles estão
destruindo o maior tesouro que possuem; sua própria morada e, conseqüentemente,
a própria vida.
─Me deixe partir! Por favor!
Sei que posso ser tão útil! Implorou a estrelinha.
─Vamos pedir autorização ao
Grande Deus e brevemente lhe daremos uma resposta. Ponderou os anjinhos.
A estrelinha
esperava com otimismo e alegria a resposta de seus anjinhos amigos. Ela estava certa
de que seria atendida. Sempre fora muito confiante e a sua luz positiva trouxe
para si a exata resposta que esperava. Os anjinhos retornaram trazendo a
resposta de Deus.
─Você foi autorizada a
nascer. Anunciaram os anjos.
─Nascer? O que é nascer?
Perguntou a estrelinha um pouco atordoada com tanta novidade.
─Não tem como você cair na
terra como se fosse uma estrela cadente transformando-se num ser nativo de lá.
Todos os seres na terra nascem um dia. Você vai nascer como uma linda menina,
terá uma bela família e um nome especial.
─Família... Nome... O que
é isto?
─Família é como se fosse
um grupo de estrelas muito especiais que conviverão com você e te amarão muito.
O amor é uma luz muito forte que pulsa na maioria dos seres que vivem na terra.
E, nome é como se fosse um chamado. É como você será conhecida.
─Poxa, parece que as
coisas na terra são bem diferentes das coisas aqui no céu.
─Um pouco!.. Viva e verá!
Desafiou os anjos.
─Será que eu terei saudade
das minhas amigas aqui do céu?
─Assim que você nascer,
você esquecerá tudo que viveu até agora. Só terá lembranças para as coisas que
acontecerão lá na terra.
─Vou perder todas as
minhas lembranças?
─Não. Elas ficarão
guardadas aí dentro de você, mas não precisarão ser usadas lá na terra. Se você
precisar de alguma lembrança, ela será liberada conforme a sua real necessidade.
Nós estaremos sempre juntinhos de você administrando estas questões. Prometeu
os anjos acalmando a estrelinha que começava a exalar certa ansiedade.
─Eu vou me esquecer de
vocês também? Perguntou receosa.
─Acho que sim. Mas terá
sempre a sensação de que estará sendo protegida por todos nós. Assegurou seus
amigos celestiais.
A estrelinha ficou por
alguns instantes um pouco pensativa refletindo profundamente sobre tudo aquilo.
Depois de algum tempo, suspirou fundo e resolveu fazer uma pergunta intrigante:
─Se as coisas funcionam
assim na terra, será que acontece também assim aqui no céu?
─Como assim? Perguntaram
os anjinhos.
─Será que antes de ser
estrela do céu eu era uma outra coisa qualquer. Será que perdi também a memória
daquilo que eu era antes de ser uma estrela?
Os anjinhos não lhe
deram uma resposta. Só levantaram os ombros e as sobrancelhas sinalizando uma
indagação. Interrompendo as divagações da estrelinha, ordenaram:
─Se queres partir,
prepare-se. Daqui a poucos minutos uma linda menina chamada Lucy estará
nascendo. Você será a energia e a luz que preencherá o corpo e a vida dela.
Aceita o desafio de ser gente?
─Com todo prazer!
Finalizou a estrelinha.
Antes que pudesse
pensar em qualquer coisa a respeito, uma luz gigantesca envolveu a estrelinha
fazendo-a renascer aqui na terra. Neste momento o sol, a lua e milhares de
estrelas deram suas mãos de luz fazendo
uma linda oração para que a terra pudesse acolher com alegria e gratidão a
linda estrelinha que o universo lhe ofertara.
Nasceu Lucy, uma
linda menina, perspicaz, ativa, amorosa e muito inteligente. De todas as
qualidades que Lucy tinha, a sua grande coragem chamava atenção de todos. Era
uma criança que aceitava todos os desafios e lutava bravamente por tudo que
desejava. De tão confiante que era chegava a causar admiração em uns e incômodo
em outros. Não temia nada. Na verdade, quase nada. Lucy tinha um único medo do
qual não conseguia se livrar. Todas as noites, quando se deitava para dormir,
ela vivia um pesadelo. Era como se fosse um sonho acordada. Ela via estrelinhas
sem brilho, de cara triste e zangada, e ao mesmo tempo, estrelas luminosas e
felizes reluzindo no teto de seu quarto. Ficava assustada, pois seu quarto, às
vezes, ficava parecido com o céu noturno da terra, repleto de estrelas.
Temerosa, sem saber o significado daquela experiência e sem saber o que aquelas
estrelas reluzentes e sem brilho pudessem fazer com ela, fechava os olhinhos e
chorava baixinho para ninguém ouvir. Ficava com vergonha de dizer para as
pessoas que estava vendo aquelas coisas estranhas. Mas, certo dia, o medo ficou tão grande que se
transformou em pavor e o pavor em uma grande tristeza que fez Lucy chorar muito
alto. Sua mãe, ouvindo seus soluços, correu até o quarto de Lucy para ver o que
estava acontecendo. Mais assustada que a filha, a mãe perguntou ansiosa sem
saber o que estava acontecendo:
─O que houve, minha filha?
─Mamãe, eu estou com muito
medo. Desabafou Lucy aos prantos.
─Medo de que, filhinha?
Perguntou a mãe confusa abraçando a filha.
─Das estrelas. Respondeu
soluçando.
─Mas, as estrelas são tão
belas. Elas não podem lhe fazer mal.
─Tenho medo das estrelas
sem brilho e tristonhas que aparecem no teto de meu quarto.
─Não existem estrelas
aqui, Lucy.
─Elas se apagaram assim
que você entrou aqui. Justificou a menina.
─Fique tranqüila,
filhinha. Você deve ter tido um sonho ruim. Durma, isto tudo vai passar. Amanhã
você já não se lembrará disto e a vida vai continuar tranqüila.
─Não, não! Fique aqui
comigo, mamãe. Sei que não vai passar. Eu sempre vejo estas estrelas no teto de
meu quarto. Só que hoje a cara das estrelas tristes estavam ainda mais tristes.
Haviam estrelas zangadas também. Só hoje tive coragem de lhe contar. Elas vão
voltar! Elas sempre voltam. Desabafou Lucy agarrando a mãe impedindo-a que esta
saísse do seu lado.
A mãe de Lucy era
muito sábia e sabia exatamente como ajudar a filha. Quando criança teve alguns
medos parecidos com os de Lucy. Fora ajudada a combatê-los por intermédio da
Vovó Zica que de tudo sabia um pouco. Aproveitando os ensinamentos da avó e
olhando fundo nos olhos da filha tratou de lhe passar alguns conselhos.
─Filhinha, você quer
acabar com este medo?
─É o que mais quero,
mamãe.
—Então ouça com
atenção a receita da vovó Zica para acabar com o medo. Ela me ajudou a acabar
com o meu e eu lhe ajudarei a acabar com o seu.
─Que bom, mamãe! Eu não
verei mais estas estrelas?
─Calma, vou lhe explicar
como tudo deverá funcionar. Existem algumas regras que você deverá seguir e
respeitar.
─Quais? Perguntou curiosa,
sentando-se no colo da mãe.
─A primeira delas é nunca
guardar seu medo na caixinha escura.
─Mamãe, eu nunca guardei
meu medo em nenhuma caixinha.
─Guardou sim, filha. Veja
bem, só hoje você me falou dele. A caixinha escura é o pedacinho que a gente
não conhece dentro da gente mesmo.
─Quer dizer que existe um
pedaço da gente que a gente desconhece? Quer dizer que eu não me conheço
direito?
─É isto mesmo! Precisamos
jogar luz neste pedacinho escuro para que possamos enxergar o que está guardado
lá. Todas as vezes que você fala daquilo que teme, daquilo que lhe provoca
qualquer sentimento ruim, você está colocando para fora, tirando da caixinha
escura o que não pode ficar contido lá. Sentimento ruim preso dentro da
caixinha cresce e explode em forma de pavor. Assim, fale sempre de seus
sentimentos para as pessoas que você ama e confia. O amor e a confiança destas
pessoas são sentimentos de luz que ajudarão a iluminar este seu lado escuro. Expresse
seus sentimentos. Não banque a egoísta guardando-os só para você. Admita que
precisa ser ajudada ao invés de fingir que está tudo bem.
─Se eu fizer isto o meu
medo desaparecerá? Perguntou Lucy irradiando a luz da esperança em seus
olhinhos verdes.
─Parte dele desaparecerá.
Existem outras regras para espantar a outra parte.
─Me ensine mamãe, eu
prometo que seguirei a risca.
─A segunda regra é
enfrentar o seu medo ao invés de fugir dele. Tudo que a gente foge nos
persegue.
─Como é que posso enfrentar
as estrelas de meu quarto? É fácil enfrentar as estrelas de luz, mas, as de
cara feia... Ai, nem consigo pensar como posso fazer isto!
─Você pode fazer isto
conquistando a certeza de algumas coisas. Pontuou a mãe.
─Que coisas?
─Você precisa saber
primeiro por que vê estrelas.
─Como posso descobrir?
─Eu posso lhe contar.
─Quer dizer que você sabe
porque eu vejo estrelas?
─Se eu não soubesse,
correria o mundo inteiro até descobrir para lhe contar. Exclamou a mãe
externando seu grande amor pela filha.
─Se eu tivesse tirado meu
medo da caixinha escura antes, talvez a senhora já tivesse me contado. Por que
não fiz isto antes? Indagou-se arrependida.
─Tá vendo como é
importante tirar o medo da caixinha? Relembrou a mãe.
─Já que sabe por que vejo
estrelas, me conte rapidinho. Perguntou Lucy irradiando ansiedade.
─Outra regra importante é
não ter pressa para acabar com seu medo. Só a paciência e a perseverança nos
ajuda enxergar o que está no escuro. Não desista de encontrar estrelas dentro
de ti. Ao invés de encontrá-las apenas no teto de seu quarto, descubra a sua
estrela e aproveite a luz das estrelas felizes que você vê e gosta para
iluminar muita coisa aí dentro. Aconselhou a mãe tocando com a ponta de seus
dedos no peito de Lucy.
─Será que tenho estrelas
dentro de mim?
─Ou será que você é também
uma estrelinha bem iluminada? Você ilumina tanto a nossa vida que eu não posso
pensar diferente. Falou a mãe sorrindo.
─Não estou entendendo,
mamãe.
—Deixe eu explicar
melhor. Quando a gente tem muita luz, esta luz faz a gente enxergar coisas que
a maioria das pessoas não conseguem ver. É como ascender a luz de um quarto
escuro. A gente passa a ver melhor tudo que está dentro dele.
—Ah! Já entendi.
Quer dizer que eu vejo estrelas, pois meus olhos conseguem ver o que os olhos
dos outros não conseguem ver.
—Isto mesmo! Mas é
importante que você saiba que isto é uma benção e não uma coisa ruim. Ao invés
de enxergar isto como um problema, veja tudo isto como uma oportunidade de
crescimento. Você só consegue enxergar mais porque a luz do seu olhar é mais
forte e intensa. Você só consegue enxergar mais porque você tem mais poder. Por
isso, não pode fechar seus olhos para aquilo que vê. É neste ponto que entra a
próxima regra.
—Opa! Estou
começando a gostar desta história. Me fale qual é a próxima regra, mamãe. Não
vejo a hora de colocá-la em prática.
—Use o seu poder e
não o seu medo para lidar com tudo isto. Use o poder de sua luz para iluminar
seu lado obscuro. Sorria para as estrelas tristonhas e zangadas. Irradie e
oferte a sua luz para elas. Enfrente o
mal humor delas com sua alegria e capte ainda mais a energia das estrelinhas
que você gosta intensificando a luz que reluz dentro de ti.
Lucy deu uma
gargalhada como se tivesse feito a maior descoberta de sua vida. Olhando nos
olhos da mãe, viu uma linda estrela brilhando lá no fundo.
—Mamãe, agora estou
vendo estrela no seu olhar.
—Será que vai ficar
com medo de mim agora? Perguntou a mãe num tom de brincadeira e fazendo cócegas
na barriga da menina.
—É claro que não! A
sua estrela é linda! Não tenho medo dela. Você me ajuda a olhar as estrelas de
meu quarto e enfrentá-las?
—É claro, filhinha!
Eu vou adorar conhecer as suas estrelas. Vou fazer cócegas nas estrelas
tristonhas. Quem sabe eu posso descolar um sorriso delas da mesma forma que
consigo descolar esta gargalhada gostosa que sai da sua caixinha de som.
—Só faltava essa!
Agora eu tenho também caixinha de som! Ironizou Lucy.
—Ichi! Se você
soubesse quantas caixinhas guardamos dentro da gente. É caixinha escura,
caixinha de som, caixinha surpresa, enfim, é caixinha que não acaba mais.
—Mamãe posso lhe
contar um segredo? Perguntou Lucy cochichando no ouvido da mãe.
—“Pode”, não – “Deve”. Nunca se esqueça da primeira regra.
Advertiu a mãe.
—Mamãe, tenho que
admitir que pela primeira vez desejo ver as estrelas no teto do meu quarto para
mostrá-las para você.
—Como já lhe disse,
vou adorar conhecê-las. Você acha que consegue vê-las agora?
—Não estou
conseguindo, mamãe.
—Sabe por que filhinha?
—Por que? Perguntou
ansiosa.
—Porque seu medo já
está acabando. Durma e amanhã quem sabe... Talvez você consiga vê-las. Me chame
para eu ajudá-la a fazer graça para as estrelas sem luz. Acho que elas precisam
de amigos e de muita alegria.
Naquela noite Lucy
dormiu e sonhou que era uma estrela parecida com as estrelinhas luminosas que
apareciam no teto de seu quarto. Sonhou que as feias estrelinhas eram
estrelinhas perdidas no universo. Perdidas, perderam a luz. Lucy ao invés de
fechar os olhos para elas, oferecia o seu olhar, o seu sorriso e a sua atenção.
Ao fazer isto todas as estrelas se enchiam de luz curando sua expressão de dor
e sofrimento. Lucy acordou feliz. Descobriu que tememos apenas aquilo que
desconhecemos. Que ao cuidar daquilo que temia, o medo desaparecia. Se a gente
não foge do medo é ele que foge da gente. Agora, ela sabia que não tinha mais
motivo para temer. Conhecia bem o seu poder e a sua luz. Não sabia explicar,
mas tinha também a sensação de que era muito protegida por algum anjinho no
universo. Confiava não só na proteção de seus anjinhos, mas também no poder de
sua luz. Sabia que precisava levar sua luz a todos os seres que estivessem sem
brilho. Todas as noites ia para cama querendo ver estrelas no teto de seu
quarto. Queria apresentá-las a sua mãe. Mas, por incrível que pareça, nunca
mais conseguiu ver estrelas no teto de seu quarto por mais que quisesse
enxergá-las. Aprendeu a olhar para o céu para contemplar estrelas de diferentes
brilhos. Aliás, o céu sempre foi mais belo que o teto de seu quarto. E, com este olhar diferente, passou a
perceber que existem também pessoas com brilhos diferentes. No meio de tanta
gente feliz e em paz existem pessoas tristes e zangadas. Jamais teve medo das
pessoas parecidas com as estrelas que um dia temera. Sabia como enfrentá-las.
Sabia mais que enfrentá-las; sabia ajudá-las. Descobriu que por trás de uma
cara feia existe muito medo e fragilidade. Superado seu medo, Lucy cresceu e
passou a vida se dedicando a levar mais luz para quem dela necessita. Ficou
conhecida por todos como Lucy – a estrela da terra.
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