Era uma vez uma árvore carregadinha de cajus deliciosos e hospedeira de um
lindo pássaro vermelho, porém, guloso, que jamais se contentava com um caju só,
queria todos eles. Pulava de galho em galho bicando um por um sem, no entanto,
sentir o verdadeiro sabor de cada um deles. Questionado pelo amigo Curió acerca
deste comportamento estranho, respondeu:
−São todos iguais e
estão aqui para me satisfazer.
−Mas, então não
seria melhor comer um só? Você estragaria menos os lindos cajus deste pé e
permitiria que este alimento fosse compartilhado com outros pássaros que estão
também à procura de alimento.
−Quem chega
primeiro leva o melhor. Se não são bons caçadores como eu, nada posso fazer.
Zombou o Pássaro Vermelho se enchendo de pomba e estufando seu peito.
−Desde quando saber
caçar pressupõe acabar com tudo que se vê pela frente? O verdadeiro caçador
escolhe a presa certa, aquela que vai decerto sacia-lo. Argumentou o
Curió.
−Pois eu me sacio
com todas. Contraverteu o Pássaro Vermelho com ironia.
−Não parece!
Questionou o Curió, balançando serenamente a cabecinha de um lado para o outro.
−Por que? Perguntou
confuso o Pássaro Vermelho.
−Porque a sua fome
parece não ter fim. Você parece, na verdade, um insaciável. Esclareceu o Curió
com a firmeza de quem percebe claramente as coisas.
−Acho que você
morre de inveja do meu poder. Zombou o Pássaro Vermelho.
−Poder? Como assim? Perguntou, confuso, o Curió sem conseguir compreende-lo.
−Poder? Como assim? Perguntou, confuso, o Curió sem conseguir compreende-lo.
−O poder que tenho
de caçar os cajus que você não dá conta. Olhe bem para você. Ha quanto tempo
está comendo este único caju. Eu já biquei dezenas deles, além das dezenas de
goiabas, laranjas, pêssegos e abates que papei só neste dia. Escarneceu o
Pássaro Vermelho.
−Qual deles é mais gostoso?
Desafiou o amigo Curió com a intenção de conscientiza-lo.
−Como já te disse,
é tudo a mesma coisa. Pintou no pedaço, ta no papo! Zombou mais um vez o
Pássaro Vermelho fazendo transparecer um certo sentimento de vingança. Parecia
querer agredir o mundo com esta postura usurpadora.
−Cuidado para não
comer uma fruta estragada. Aliás, é só isto que você sabe fazer com cada uma
delas – estraga-las. Coitadas... Se elas, pelo menos, pudessem se defender de
você... Vejo que você não possui nenhuma responsabilidade ecológica. Criticou o
Curió.
−Responsabilidade
ecológica... Que papo mais antigo! O bom mesmo é aproveitar a vida. Completou o
Pássaro Vermelho rejeitando claramente as críticas do Curió.
−E desde quando
quem tem responsabilidade não aproveita a vida? Parece que seus conceitos estão
meio confusos, não acha? Interpelou o Curió.
−Esse papo ta
careta demais! Tô fora do pedaço! O Pássaro Vermelho foi saindo, mas antes que
levantasse voo o Curió lhe alertou:.
−Dizem que tem um
bicho chamado homem que está se comportando assim como você. Dizem, inclusive,
que antes dele se tornar a vítima fatal do próprio comportamento inconsequente,
nós seremos as primeiras vítimas.
−Então é melhor
aproveitar mais ainda a vida. Finalizou com ironia o Pássaro Vermelho.
O tempo passou e chegou um inverno diferente de todos os invernos anteriores. A
escassez era grande e já não havia mais alimento para todos. Milhares de
animais morriam, dia após dia, e o desespero tomava conta de todos. A fartura
só existia na lembrança, principalmente, daqueles que esbanjaram sem aprender a
economizar e valorizar o alimento. Debaixo de uma árvore seca, fincada sobre um
solo árido e quebradiço, estava o Pássaro Vermelho, moribundo e irreconhecível,
pedindo a todos pássaros que passavam uma migalha de alimento. Passando por
ali, o Curió reconheceu o amigo, mas depois de checar,
minuciosamente, se era ele mesmo, se deu conta de que deveria estar enganado.
Olhou para suas penas que já não eram as mesmas e para o seu olhar ofuscado,
pensando:
−Não!.. Este não
pode ser o pássaro vermelho... Este olhar triste e frágil não tem nada haver
com aquele olhar arrogante.
Antes que partisse,
ouviu uma voz trêmula e abafada suplicando:
−Não conhece mais
os amigos? Por favor, me dê um minuto de atenção.
−Amigos? Eu não te
conheço. Justificou o Curió.
−Será que fiquei
tão irreconhecível assim? Sou o Pássaro Vermelho.
−O que aconteceu
com você? Perguntou assustado o Curió.
−Tudo aquilo que
você previu um dia e eu não acreditei. Estou morrendo e não consigo caçar uma
única fruta para matar a minha fome. Respondeu pesarosamente e com uma
verdadeira expressão de arrependimento.
−Mas, você se dizia
um excelente caçador. O que fez com que você perdesse a sua habilidade para
caçar as dezenas de frutas que caçava anteriormente num único dia? Indagou o
Curió.
−Descobri,
tardiamente, que nunca fui um caçador. Não aprendi a procurar meu verdadeiro
alimento e valoriza-lo como deveria. Fui, na verdade, um esbanjador daquilo que
a natureza me doava com fartura. Será que você poderia me doar, agora, um
pequeno pedaço desta fruta preciosa que você carrega consigo. Perguntou – Hoje,
ela vale tanto quanto uma mina de ouro – Lamentou o Pássaro Vermelho,
expressando mais do que desejo, uma nítida necessidade de se alimentar para
matar a fome que poderia matar o seu corpo.
−Esta fruta vale
mais que uma mina de ouro. Vale a minha vida e pode valer a sua, caso eu faça
por você aquilo que faltou você fazer por todas as frutas que desperdiçava.
Corrigiu o Curió.
−Acho que
desperdicei também a minha vida deixando apodrecer dentro de mim o que eu
possuía de mais valioso. Emendou o Pássaro Vermelho.
−O que você possuía
de mais valioso? Perguntou curioso o sábio Curió.
−A minha capacidade
de relacionar com respeito com o outro e comigo mesmo. Respondeu o Pássaro
Vermelho denotando profundo discernimento.
−Parece que você
aprendeu muita coisa importante... Conjecturou o Curió.
−Espero que não
seja tarde demais! Lastimou-se o Pássaro Vermelho.
−Nunca é tarde quando
temos coragem de abrir mão de nossa vaidade e usar a nossa humildade como
veículo para nos conduzir rumo ao novo caminho que nos aguarda. Não
vou lhe dar um pedaço de minha fruta, mas vou lhe dar algo mais precioso. Vou
lhe ensinar a encontrar a fruta preciosa que matará a sua fome trazendo a sua
vida de volta. Proferiu o Curió com sabedoria querendo oferecer o máximo de sua
generosidade.
−Eu lhe agradeço,
mas estou muito fraco, não consigo mais voar. Justificou o Pássaro Vermelho com
pesar.
−Nem sempre a
melhor fruta está no topo da árvore. Algumas estão no chão; são arrancadas pelo
vento para que possam nutrir aqueles que não podem voar alto. No topo das
árvores existem também frutas podres. Você sabe bem disto! Esclareceu o Curió.
−Você tem razão! Eu
já ajudei a estragar muitas delas. Admitiu o Pássaro Vermelho com ar de
arrependimento.
−Você já se
arrependeu e isto já basta! Alimentar a culpa só vai ajudar a
estragar ainda mais o resto de vida que você possui. Vá, levante-se.
Viva! Vá à busca de sua fruta. Tenho que ir, pois tenho uma linda família para
alimentar. Incentivou o Curió.
−Família? Deve ser
bom ter uma família. Refletiu o Pássaro Vermelho demonstrando total falta de
conhecimento acerca desta realidade que lhe faltava.
−Você pode ter uma
também. Vá à luta e lembre-se. “A família é como uma fruta. Só será saudável se
a semente escolhida for sadia, e por último, se tivermos com ela uma relação
saudável. Família é uma só, não dá para ficar descartando como se fosse um
lixo. É necessário recicla-la a cada dia com bons exemplos e sentimentos
saudáveis”. Alertou o Curió.
−Vá! Não se atrase
por minha causa. Obrigado pelo alimento que me deste hoje. Esta conversa me
nutriu com o desejo de seguir em frente. O velho Pássaro Vermelho precisava
mesmo morrer. Agora poderei renascer e sentir, finalmente, o sabor de cada
fruta que eu encontrar em meu caminho. Eu nunca soube distinguir o sabor de uma
fruta. Maçãs, laranjas, cajus, ameixas, enfim, todas elas possuíam para mim o
mesmo sabor. Perdido no desejo de nada perder, eu perdi a capacidade de apurar
meu paladar e sentir o verdadeiro sabor da vida e da fruta do prazer. Mas, não
se preocupe, eu aceito o desafio de encontrar o que jamais valorizei no
passado. Vou usar, sabiamente, o restinho de energia que me resta para realizar
esta nova conquista. Não desperdiçarei este valioso restinho de
energia. Ainda me resta uma esperança. Só tenho a agradecer!
Obrigado por tudo! Agradeceu o Pássaro Vermelho se sentindo mais forte para seguir
em frente sem carregar em sua nova bagagem as véstias de vítima ou vilão. Com
uma bagagem mais leve, conseguiu abrir suas asas e tocar carinhosamente nas
asas do amigo lhe dando um afetuoso abraço.
−Boa sorte!
Finalizou o Curió denotando uma grande alegria frente as mudanças do Pássaro
Vermelho.
Os dois se despediram e seguiram em frente; cada qual com a sua
missão e certos de que a sorte alcança quem a busca.
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