Dizem que, num
lindo jardim sempre habitado pela harmonia, a rosa adoeceu repentinamente.
Nenhuma flor entendia o jeito novo e estranho da mesma. Sempre viçosa, aberta e
vibrante passou a ficar, dia a dia, cada vez mais murcha, fechada e
sem vida. “Que doença era aquela que acometera a rosa repentinamente”? Até
então, nenhuma flor jamais ouvira falar de uma doença tão grave. Como curar a
rosa se ninguém entendia o motivo de sua doença? Preocupados, resolveram marcar
uma consulta com o Dr Sol, o iluminado curador de todas as flores. Ele possuía
uma sabedoria infinita capaz de curar todos os males. Tocando, graciosamente, a
rosa com seus raios luminosos, o sol perguntou:
—O que aconteceu,
linda rosa?
—Nada não!.. –
respondeu, rispidamente, a rosa.
O sol achou muito
esquisito aquele jeito novo da rosa. A sua doçura foi transformada, sem motivo
aparente, em uma rispidez acentuada. Tentando envolve-la carinhosamente,
questionou a sua indelicada resposta.
—Se não tens nada,
porque estás tão brava?
—Eu tenho o meus
motivos...
—Que
tal falarmos deles? Talvez, eu possa ajuda-la.
—Tudo bem!
Respondeu grosseiramente. O meu problema são as Margaridas.
—Engraçado, nunca
nenhuma flor aqui representou um problema para a outra. Vocês sempre viveram
tão felizes.
Antes que o sol pudesse
continuar foi interrompido ironicamente pela rosa.
—Disse bem!
Vi-ve-ram. Mas, não vivemos mais.
—Não é bem assim.
Todos continuam vivendo bem, só você não consegue mais viver feliz. Se mudar
este sentimento ruim dentro de você, com certeza recuperará a sua felicidade.
—Só se as
Margaridas morressem, eu conseguiria me sentir bem.
Apesar de
estarrecido, o Sol entendeu rapidamente o sentimento da Rosa, mas decerto, ela
não compreendia o que estava se passando consigo mesma. O grande astro sabia
que tinha um grande trabalho pela frente. Só à partir do momento que a Rosa se
tornasse capaz de compreender o real motivo deste ódio que a dominava, seria
capaz de se salvar e se curar definitivamente. Sem censurá-la continuou
indagando-a:
—Por que motivo as
Margaridas deveriam morrer?
—Porque elas
atrapalham a minha vida. Respondeu exalando egocentrismo, a Rosa.
—Engraçado, nunca
reparei o quanto as Margaridas atrapalham a sua vida. Sempre as vejo no canto
delas, juntas, felizes da vida, sem se preocuparem com nada.
—Você é quem pensa!
Elas andam bem preocupadas em seduzir o meu amor. Outro dia o peguei
irradiante, admirando-as.
—Que mal existe em
admirar e ser admirado? Você sempre foi tão admirada e nunca se ressentiu
disto.
—Uma coisa é ser
admirada, outra coisa é ser menos amada por seu amor por ele ter descoberto
outra flor mais bela.
—Ele te disse que
passou a te amar menos por ter descoberto a beleza das Margaridas?
—Não, mas é um
risco. Você não acha?
—Você deixaria de
amá-lo caso passasse a admirar as Margaridas?
—Eu, admirar
Margaridas? Era só o que faltava! Muitas flores podem até achá-las bonitinhas,
mas aquelas pétalas finas... Que mal gosto! Fique sabendo que eu jamais vou
admirar as Margaridas.
—Isso é muito
sério. Disse o Sol com firmeza. Isso pode ser o seu fim. Continuou, olhando no
fundo dos olhos da Rosa.
—O meu fim? Como
assim ? Perguntou a Rosa preocupada.
—Se você não
conseguir admirar as Margaridas, passará a se sentir cada vez mais feia e sem
vida.
—Se o remédio é
admiração, admirar a mim mesma não basta? Saiba que me acho muito mais linda.
Minhas pétalas são mais largas, minha haste mais firme. Não tem comparação!
—Comparação. Preste
bem atenção nesta palavra. A sua doença se chama com-pa-ra-ção. Você está
doente de comparação.
—Eu, doente? Eu
estou muito bem.
—Mas você acabou,
agora pouco, de falar que só ficaria bem se as Margaridas morressem?
—Decerto, seria
menos um peso para mim. Admitiu a Rosa.
—Atente-se ao que
vou lhe falar. A noite está chegando e eu tenho que repousar. O Horizonte me
espera, não dá para ficar mais tempo com você, embora eu saiba que você
precisará de algum tempo para digerir e vivenciar tudo que irei lhe explicar.
Qualquer dúvida, peça ajuda para a lua, hoje ela estará linda. Aliás, poderei
usá-la como exemplo para que você compreenda melhor esta importante lição de
vida.
—Que lição?
Perguntou a Rosa mesclando dúvida com ansiedade.
—Eu ilumino o dia e
a lua ilumina a noite. Temos o nosso valor e a nossa beleza. Temos o nosso
lugar e a importância certa mediante o lugar que ocupamos. Sei que todas as
flores deste jardim admiram as noites de luar.
—São lindas mesmo!
—Nem por isso eu
desejo que a lua morra para que eu me sinta melhor do que sou. Tenho a minha
própria importância. Sei o quanto sou importante para cada um de vocês.
Indispensável, eu diria.
Indispensável, eu diria.
—E daí? Ironizou a
Rosa.— O que tudo isto tem haver com a minha doença?
—Ter certeza da
nossa importância e valorizar a importância de todos que nos cercam é o passo
mais importante na conquista da nossa felicidade e na eliminação do ciúme e da
inveja que nascem assim que começamos a gestar as desagradáveis comparações
dentro da gente.
—Ciúme, inveja...
Que sentimentos são estes? Nunca ouvi falar deles.
—Mas está começando
a sentir. Ciúme é esta necessidade maluca de ser o centro das atenções na vida
do outro, querendo assim que este só tenha olhos para você. Se não tivéssemos
que admirar a beleza do mundo e dos outros, nasceríamos cegos. Alguns até
fingem não enxergar para não despertar este sentimento naqueles que se sentem
inferiores, evitando assim, desagradáveis conflitos. Os que possuem visão e não
enxergam são os piores cegos.
—Você quer dizer
com isso que o meu amor é um ser agraciado por Deus com a dádiva de enxergar a
beleza do mundo e não alguém que está traindo o amor que sinto por ele?
—Isto mesmo, Rosa!
A nossa felicidade sempre dependerá do nosso ponto de vista. Procure enxergar
as coisas do jeito que elas são de fato, e não da forma como a sua parte doente
gostaria que fosse.
—E como a parte
doente que está em mim gostaria que as coisas fossem? Perguntou, humildemente,
a Rosa mudando sua feição frente à abertura aos novos aprendizados.
—A parte que
adoeceu em você está exalando ciúme e inveja. Esta parte gostaria que o mundo
girasse em torno de você e que, dentre todas as rosas e flores do mundo, você
fosse a mais bela e a única a ser apreciada por todos.
A Rosa foi ficando
mais vermelha do que era, exalando muita vergonha. Aquele sentimento novo que
tomou conta de seu ser, sem que se apercebesse, era um sentimento ruim;
gostaria de se livrar dele rapidamente. Mas de posse dele, parecia estar
aprisionada e sem saída para o mundo encantado que vivia antes. Impotente,
começou a chorar.
—Me diga, por
favor! O que devo fazer para livrar-me desta doença?
—Admitir que é
vítima dela já é o primeiro passo. No entanto, não poderá continuar como
vítima. Deverá se responsabilizar por sua vida sabendo que possui dentro de si
todos os recursos para se livrar dela. Basta usa-los. Lembre-se que você era
uma rosa saudável e procure seguir o seu próprio exemplo de vida anterior,
livre de comparações e deste sentimento de menos valia que se apoderou de você.
—Sinto vergonha de
ter invejado as Margaridas e, com isto, desejado tanto mal a elas. Lamentou a
Rosa.
—Quem inveja jamais
deseja o bem para o ser invejado, pois deseja para si os atributos daquele ser
que não possui. É como se o ser invejoso quisesse reter em si mesmo toda a
beleza e todo o poder do mundo. Ilusoriamente, desejam ser um Deus.
A Rosa abaixou o
olhar reprovando-se internamente. Queria se esconder de tanta vergonha, mas na
impossibilidade de esconder de si mesma e de todos, limitou-se a ficar com seu
olhar cabisbaixo por um longo tempo. Quando levantou seu olhar, o sol já não
estava lá, a noite a envolvia com uma linda lua cheia a brilhar iluminando todo
o jardim. Olhava para todas as flores e percebia a felicidade em cada uma
delas. Sentia-se mal com a felicidade delas e agora, não só as Margaridas, mas
todas as flores a incomodavam. Entretanto, o novo incômodo era diferente; já
não desejava mal a elas, mas não conseguia ainda admirar aquela beleza que
reinava no jardim que fazia parte. Sentia que nenhuma flor dali se importava com
ela, estavam todas felizes e ela ali, triste e doente. Desanimada, pensou alto
olhando para a lua que iluminava tudo e a todos:
—Agora, não tenho
nem mesmo a companhia do sol...
—Mas tem a minha
companhia. Interviu a lua irradiante.— A minha companhia não serve?
—Serviria, mas você
desconhece o meu problema e não tem como me ajudar.
—Mas posso
conhecê-lo se você permitir. Estou disponível a ajudá-la, caso queira, é claro.
Disponibilizou-se a Lua.
—Até quero, mas me
dá uma preguiça ter que falar tudo de novo.
—Você não precisa
falar tudo, comece por onde você terminou.
—E você entenderia
se eu começasse do final?
—Que bom! Se você
já está no final é porque seu problema já está resolvido.
—Quem me dera!
Apenas entendi o que sinto, mas não consegui ainda mudar o sentimento dentro de
mim. É como se eu tivesse mudado na cabeça e não o tivesse ainda arrancado do
coração.
—Talvez seja o
contrário. Certamente, você já o tirou do coração, mas mantêm o
problema vivo na sua mente.
—Sei lá, só sei que
o sentimento de ciúme e inveja ainda estão dentro de mim.
—Quer dizer que
você sente ciúme e inveja?
—Acho que não sinto
mais nada. Olho para tudo e para todos e não vejo mais a beleza; sinto apenas
um incômodo, que nem sei bem como explicar.
—Este incômodo é
certamente o vazio que tomou conta de você.
—Acho que é isto
mesmo! Me sinto vazia. Como você pôde descobrir se nem conhece todo meu
problema?
—Os sentimentos são
governados por algumas leis. O ciumento e o invejoso está sempre vazio e
deseja, inicialmente, preencher este vazio com aquilo que o outro tem. Sentem
muita raiva enquanto lutam para tomar do outro o que não lhes pertence e o que
jamais conseguirão roubar. Quando se dão conta da impotência para mudar o que
não pode ser mudado, são acometidos por uma grande tristeza e desânimo. Tomados
pela depressão, se afundam, dia após dia, cada vez mais, neste vazio
sem fundo.
—Preciso de ajuda!
Você tem como me tirar deste buraco fundo que caí? Suplicou a rosa desesperada
e com muito medo de permanecer, infinitamente, neste inferno que a aprisionava.
—Infelizmente não
posso fazer por você o que só você pode fazer por si mesma. Comece por olhar
para si. Admire-se! Veja primeiro quanta beleza existe dentro de você para que
depois possa, finalmente, admirar a beleza que existe no outro. No entanto,
muito cuidado! Admire-se sem comparações.
Lembrando-se das
últimas palavras do Sol a Rosa confabulou:
—O Sol me disse que
talvez eu quisesse ser um Deus, habitar apenas em mim toda a beleza do mundo.
Acho que ele tem razão. A minha própria beleza tem que me satisfazer. Estou
sendo insaciável.
—Decerto! Nem Deus
quis a beleza do mundo só para ele. Por isso se dividiu em todos os seres do
mundo e deu para cada um deles parte de sua beleza. E há quem queira ser mais
que Deus, ao invés de ser Uno; ser individualista e garantir a beleza só para
si.
—Acho que o que
sinto é coisa do diabo! Inferiu a Rosa com seus miolos já quentes de tanto
pensar numa saída para seus problemas.
—A escolha é sua.
Se desejar ser mais divina, deverá descobrir a divindade dentro de si mesma.
Feita esta descoberta, você exalará o sentimento divino de querer também se
dividir, se multiplicar. Estará aberta a dar e receber, pois verá riqueza em
tudo que lhe rodeia.
—Temo não ter muito
tempo para isto mais. Depois desta conversa, já consigo sentir a mudança
operando dentro de mim, só não sei se terei tempo para vivenciá-la.
—O tempo é muito
relativo. Não poderei viver mais esta noite, mas por certo, muitas outras
virão. Talvez eu não possa mais encontrar com você tal qual se encontra hoje,
pois o mundo gira, minha cara. Mas, encontrarei uma outra flor; diferente, mas
com a tua alma.
A Rosa entendeu o
recado da lua deixando duas gotas de orvalho caíram de suas pétalas. A lua me
contou que nunca mais encontrou aquela Rosa invejosa e cimenta naquela roseira,
mas a encontrou linda, feliz e viçosa em vários pontos daquele mesmo jardim e
em centenas de outros. Fiquei, por algum tempo, sem entender como ela pôde se
dividir e multiplicar ao mesmo tempo, mas, outro dia, lembrando-me de uma frase
divina que diz mais ou menos assim – “Sede fecundos, multiplicai-vos” – deduzi,
finalmente, o final desta história. Espero que você seja capaz de deduzir
também.
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