sexta-feira, 19 de julho de 2013

JUCA E JOCA

Dedico esta história aos oprimidos e opressores


Juca e Joca


Juca era um gato mimado e dono do pedaço. Ditava as regras até para os seus donos; imagine para os ratos que moravam por ali. Joca, um rato frustrado, vivia reclamando dos desmandos de Juca, nutrindo-se de muito ódio pelo mesmo. Revirando os porões da antiga casa onde residia, encontrou uma lâmpada empoeirada e misteriosa. Inicialmente, fitou-a fixamente sem entender do que se tratava. A poeira e os efeitos do tempo cobriam todo o objeto deixando-o irreconhecível. Numa tentativa de explora-lo, esfregou seu rabo sobre a lâmpada com o intuito de retirar a poeira que pairava sobre a mesma. Repentinamente, um gênio bem diferente de todos que sua imaginação possuía apareceu à sua frente. Era meio rato e meio gato.
−Às suas ordens, amo! Exclamou o gênio
Assustado, Joca saiu em disparada e se escondeu debaixo de alguns caixotes empilhados no centro do porão.
−O que fazes aí, meu amo? Estou aqui para atender seus pedidos. – falou o gênio girando em torno dos caixotes numa tentativa de encontrar um ângulo onde pudesse ver Joca.
−Você quer me devorar, seu gato com cara de rato. Se pensas que vou lhe dar este gostinho, está muito enganado.
−Eu não sou gato, sou um gênio! Estou aqui para realizar três pedidos. Se você não deseja nada,  retornarei para dentro de minha morada; aquela lâmpada mágica que você esfregou.
−Não era minha intenção tira-lo de lá. Só estava tentando tirar a densa poeira que a cobria. Justificou Joca tremendo de medo.
−Você está com medo de mim? O que lhe fiz para ter este medo todo? Saia daí, vamos conversar. Eu não tenho intenção de fazer mal algum para você. Se eu pareço com algum gato que teme, posso mudar a minha aparência. Basta você desejar isto. Posso me transformar em tudo que desejar.
−Como assim?
−Como lhe disse, sou um gênio e estou aqui para satisfazer três desejos. O seu primeiro pedido pode ser, por exemplo, mudar a minha aparência. Posso ficar com a aparência que você desejar.
−E, se eu sair daqui debaixo e você me devorar? Perguntou com a astúcia de um rato experiente – Já caí nesta armadilha! Juca, o gato malvado desta casa, já me fez a mesma proposta que você está me fazendo agora.
−Faça o seu pedido daí mesmo e verá que não estou mentindo. Sugeriu o gênio.
−Se é assim... Deixe-me ver... Já sei! Quero que fique com a minha cara. Exatamente como sou.
−Assim seja!
 Através de uma grande explosão de energia, o gênio se transformou num rato idêntico a Joca. O rato, perplexo, ficou ainda mais assustado. Mal podia acreditar naquilo que estava presenciando. Certificou-se que o gênio falara a verdade. Não ficou muito satisfeito com a sua imagem refletida. Achou-se minúsculo e fraco. Teve vergonha e ao mesmo tempo raiva de si mesmo. Não queria ser assim. Queria ser forte e poderoso. Sem temer a sua imagem saiu debaixo dos caixotes. Sem suportar olhar para si mesmo tratou de fazer o seu segundo pedido rapidamente.
−Já sei o que desejo pedir agora. Sempre tive ódio de Juca. Aquele gato ingrato vai se ver comigo! Quero me transformar num gato igual a ele. – dando várias risadas, continuou. – Ele não vai acreditar! Quero só ver a cara dele quando se deparar comigo. Acho que vai ter um infarto. Mas...
−O que houve amo? Por que me olhas deste jeito? Perguntou o gênio confuso sem entender a expressão de desprezo que Joca, repentinamente, passou a denotar por ele.
−Com este corpo, você  terá o poder de realizar mais alguma coisa?
−O nosso poder não vem do nosso corpo, mas, de nossa alma. Tenho seu corpo, mas continuo com a alma de um gênio.
−Então vamos lá! Transforme-me já em Juca. Ordenou com um ar de autoritarismo que surpreendeu o próprio gênio.
−Tens certeza, amo?
−Você não está aqui para perguntar nada. Apenas pra executar minhas ordens. Rápido!
−Éhh... Tens razão. Assim seja!
 Numa outra grande explosão de luzes faiscantes e coloridas, Joca se transformou em Juca como num passe de mágica. De posse do corpo que sempre temeu, porém agora, exalando destemor e arrogância, olhou para o gênio com os olhos fervilhados de ódio. Mostrando seus dentes caninos bem afiados, rosnou zangado:
−Agora você me paga! Dando um salto sobre o gênio, devorou-o de uma só vez. −Ratos inúteis! Berrou com escárnio.
Numa questão de minutos, tudo mudou! Joca parecera esquecer completamente de quem ele era. Ou será o contrário? Passados alguns minutos, sentiu um leve mal estar, lamentando-se:
−Que carne indigesta! Estes ratos não servem para nada mesmo.
Massageando sua pança foi surpreendido por Juca que passava por ali distraído cantarolando. Deu um salto sobre o mesmo, bloqueando o caminho e ameaçou:
−E aí, ta com medo?
−Medo de que? Adoro espelho! Gabou-se todo olhando para Joca como se estivesse olhando para si mesmo.
−Eu não sou você! Eu sou eu. Berrou sem paciência.
−Com certeza! Eu sou eu. Aliás, eu sempre fui mais eu.
−Não! Você não está entendendo nada. Eu sou o Joca. Afirmou constrangido. Tentando se justificar, continuou.− Na verdade,  eu sou o Joca que se transformou em você.
Juca assustou-se e batendo no próprio rosto várias vezes inquiriu o Joca como se estivesse falando consigo mesmo diante de um espelho:
−Ei! Você está ficando maluco! Alguma crise de consciência? Está se sentindo culpado por desejar devorar aquele inútil?
Foi interrompido por Joca que pronunciou-se cheio de orgulho:
−Enquanto você deseja devora-lo, eu já o devorei a muito tempo. Aliás, carne de péssima qualidade.
Juca deu mais uns tapas em seu rosto e continuou:
−Você está ficando maluco mesmo... Agora pensa que é o tal!  Por mais que eu deseja,  jamais devoraria aquele inútil...Inúti? Na verdade, nem tanto... Ele é até simpático. Chego a sentir falta dele quando some por uns tempos. Ele me distrai bem. É bem esperto. Quisera eu ter a esperteza daquele rato.
−Joca ficou branco, tomado por uma perplexidade aguda perguntou gaguejando:
−Jura? Você tem certeza do que está falando?
−Desde quando não tenho certezas nesta vida. Esta certeza dolorosa,  só admito para você, ou seja, para eu mesmo.
Mas, eu não sou você. Eu sou ele! Gritou Joca, apavorado.
Não precisa querer se transformar agora num rato só porque você o admira. Depois, este segredo é apenas nosso. Nunca ninguém ficará sabendo que você acha a vida dele mais interessante do que a sua.
−Mas, porque a vida dele é mais interessante?
−Mais adrenalina. Mais emoção! Não agüento mais este tédio. Durmo e como o dia todo. Nem fome eu tenho. Como por comer, durmo por dormir... Não há nada o que fazer. Joca, por outro lado, tem objetivos. Foge de mim, sente a adrenalina no sangue. Tem que caçar seu alimento, fugir dos perigos, enfim, tem o que fazer o dia inteiro.
−Eu não posso acreditar no que estou ouvindo! Choramingou.
−Por que não? Se eu tivesse a oportunidade de fazer um pedido... Daqueles que só um gênio pode atender. Eu pediria uma vida desta para mim.
−Oh, não! Não pode ser! Como eu não pude enxergar isto antes?
−Vivemos num mundo de ilusões. Passei a vida inteira iludido. Iludi a muitos também. Fiz com que eles acreditassem no meu poder para que pudessem duvidar do poder deles. Joca foi um de minhas vítimas. Pelo menos, nesse ponto sempre fui mais esperto.
−Seu canalha! Berrou Joca.
−Não precisa ser tão duro assim comigo mesmo. Eu juro que aquele rato vai morrer achando que eu sou mais poderoso e feliz do que ele. Nem que seja na ilusão, serei superior. Pronunciou-se olhando no fundo dos olhos dele.
−Não!  Não vai não. Eu vou agora mesmo contar tudo para ele.
−Você? Dando uma risada bem escandalosa, continuou. Jamais serei traído por ti! Você me odeia e me ama ao mesmo tempo. Sei que não serei traído por ti. Por mim, precisamente...
Joca saiu correndo em disparada, gritando:
−Eu tenho direito a mais um pedido. Gênio!
Juca, confuso, olhou-se e ao mesmo tempo em volta de si mesmo. Deu vários giros em torno do local onde Joca se posicionara, exclamando indignado:
−Oh, o espelho sumiu!
Saiu cantarolando a mesma cantiga e se sentindo mais em paz consigo mesmo. Aquele desabafo lhe fizera muito bem. Joca, por outro lado,  procurou o gênio por muitos anos a fio. Já velho e sem esperanças, olhando-se refletido num espelho empoeirado num dos cantos do porão, admitiu para si mesmo:
−Maldita hora que você quis se vingar daquele gato!
O espelho refletindo continuou:
−Ou de si mesmo?
−É nisto que dá odiar a quem a ilusão nos faz pensar ser melhor do que a gente mesmo.
O espelho refletindo pautou:
−Ou deixar de amar a si mesmo...
−Admito que me faltou amor. Concordou Joca com uma expressão desolada e cansada.
−Sem amor, faltou-lhe a capacidade de enxergar a beleza em si mesmo. Esclareceu o espelho.
−Só depois que a gente se perde em coisas que nada tem haver com aquilo que a nossa alma anseia, é que o nosso verdadeiro valor aparece.
−Ou fica mais claro – Conjecturou o espelho.
−Que saudade de mim! Como fui tolo! Desabafou-se Joca com os olhos lacrimejando exalando arrependimento.
−Mataste a sua genialidade, mas pode ressuscitá-la. Sugeriu o espelho acendendo uma centelha de esperança em Joca.
−Como? Perguntou Joca,  cheio de curiosidade.
−Desapegando-se daquilo que não lhe pertence.
−Deste corpo? Perguntou vacilante.
−Certamente! Respondeu o espelho com convicção e firmeza.
−Como posso me livrar deste corpo? Quando matei o gênio, matei a possibilidade de realizar o meu terceiro pedido.
−Qual seria o seu terceiro pedido? Perguntou o espelho.
−Livrar-me deste corpo, é claro!
−Será? Será que matar o gênio não foi uma forma de livrar-se para sempre do rato que você era e nunca valorizou? Questionou o espelho a pseudo justificativa que Joca possuía para manter-se naquele corpo.
−Você está enganado! Não curto nem um pouco esta condição de gato. Preferiria, mil vezes, voltar a ser um rato.
−Foi necessário se tornar um gato para tomar consciência que sê-lo não é também garantia de felicidade e poder. Com esta experiência, você pôde conhecer um lado dentro de si que você negava, mas desejava; seu lado gato. Agora, pode resgatar o lado que seu gato interno sempre rejeitou. O Joca ainda vive dentro de você! Advertiu o espelho.
−Mas, para isto eu preciso do gênio. Justificou mais uma vez.
−Engano seu! Você precisa apenas se desfazer deste presente que o gênio lhe deu. Não somos obrigados a aceitar ou manter conosco um presente que nos incomoda. O gênio apenas lhe presenteou com um desejo que você possuía dentro de ti. Você pode se desfazer deste presente no momento que desejar.
Joca se surpreendeu com as palavras do espelho. Consternado, ressaltou assustado:
−Como é que pude não me dar conta disto?
−Será que ainda teme a sua condição de rato? Se temer, ainda fugirás muito de si mesmo. Indagou, finalmente, o espelho.
Joca passou o resto de seus dias refletindo sobre esta questão sem, no entanto, se desfazer do presente que o gênio lhe dera. Quando indagado sobre esta situação, dizia:
−Estou pensando no assunto!
Pensar, infinitamente, no mesmo assunto foi a melhor maneira encontrada para não ter que agir, pois de oprimido a opressor se passa, facilmente, num passe de mágica; no entanto, de opressor a oprimido, só num passe de muita consciência e coragem para lutar e transcender-se.

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